sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Garça Branca

Garça Branca! Desce!
Desce do alto e pousa junto de mim!
E no ar das tuas asas
aceita a minha alma carmesim.

E agora voa garça!
Voa elevando aos céus a alma
de mim não mais cativa.
Voa garça, voa!
Voa acima da paixão,
voa acima da saudade,
voa acima da tristeza,
acima das lágrimas,
acima da ilusão…
Voa acima das nuvens
e aninha a minha alma
no calor do Sol eterno…

E cá de baixo, vendo-te voar,
estarei contigo, caminhando ao vento
de coração livre e aconchegado!
Voa! Voa garça da minha paz...
Voa minha alva garça...
Leva o sal das minhas lágrimas…

Outubro 2017          Hugo Ferreira Pires


sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Novo Mundo

Mora em mim o fascínio pelo mar,
fascínio inquieto sobre a espuma irreverente
rasgando as espessas brumas do desconhecido,
navegar azimutado às terras do mar fremente. 

Nas minhas veias corre a pujança do mar profundo,
do insuspeitável, do insubmisso, do invisível,
mar translúcido ao vulgar julgar dos Homens,
mar concreto na vastidão de um crer irredutível. 

O meu corpo é a gigante nau destemida
assomada por um querer raiando de dentro;
o meu ser é a nau naufragada
penetrando lentamente mar adentro;
assim aprendi a amar e a sentir
a força do seu centro. 

Ventre de mar negro e luminoso,
opressivo e libertador;
mar que com a dor me liberta do mundo,
refletindo no céu o seu ardor,
atraindo para o seu interior… a Luz! 

Mar, mostra-me o teu mundo!
Transfigura a minha alma terrestre em alma universal,
mostra-me o negro Universo absorvido em ti
jorrando em mim como fluxo ímpar, eterno, colossal!

Mar imenso, mar bravio,
mar com alma de Universo,
leva-me às terras das tuas gentes,
leva-me aos teus continentes,
faz-me onda de ti e lança-me às praias
de teus infinitos grãos de saber,
dá-me à luz no teu mundo renascido do sal,
imbricado no Universo vital... 

Mar, faz-me acordar renascido!
Faz-me acordar iluminado!
Faz-me acordar purificado
recoberto de teu sal cristalino!
Faz-me caminhar nesses areais infindos
por ti amassados, por ti abraçados.
Faz-me absorver a pura sabedoria! 

Mar, mostra-me esse continente
sagrado, puro, eterno, abissal.
Daí verei o límpido infinito,
serei animado pelo sábio vento sideral,
serei Uno com tuas gentes. 

Nos rios, às tuas praias afluindo,
verei desdobradas as luzes
dos verdadeiros mundos de ti imanentes,
desses mundos inexistentes
aos olhos de quem nunca se aventurou
a viver em ti...

Outubro 2017          Hugo Ferreira Pires


quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Carvalhal

[A prosa]

Nesta tarde de outono estival, longe da minha terra, longe do meu país, no centro de um carvalhal, escuto a música do meu passado a cada leve sopro de vento. As bolotas despedem-se do alto das suas mães trespassando a brisa outonal, deixando-se abraçar pelo manto de folhas, também elas desprendidas das mesmas mães. Sobre este chão irmanado pisam os pés dos transeuntes: crianças vindas da escola trazidas pelo brilho dos seus olhos, mães empurrando os carrinhos de bebé agarrando-os ao seu amor, avós degustando um jogging de saudade, casais soprados de futuro linguajando o seu amor, alguns solitários levados pela brisa dos seus pensamentos...

Fecho os olhos; levanto o meu olhar daqui e pouso-o bem no centro do Adro onde cresci e onde sempre viverei: lá estão os dois enormes e seculares carvalhos abraçando-me o coração com os braços e o Amor da gente da minha terra. As crianças riem e brincam, tal como eu já fiz, os jovens correm e divertem-se, tal como eu já fiz, os jovens adultos falam do mundo e de si, tal como eu já fiz, e os adultos menos jovens filosofam sobre tudo, tal como eu espero fazer, porque a vida já passou por eles, trazendo-lhes de tudo um pouco...

E assim, entregando-me à contemplação das imagens e dos sons da minha terra, ergo as pálpebras e vejo-me no meio de um carvalhal de tempo, sob um carinhoso sol de outono envolto nas memórias que não são daqui, mas que sempre me acompanharão.

[O poema]

Das entrelaçadas braças,
tecendo as copas

dos imensos carvalhos,
despedem-se as bolotas
do verão apenas passado:

Anunciam sonoramente
a sua queda
se o negro alcatrão atingem,
ou camuflam 
a sua aterragem
num suave som,
sobre o manto de folhas secas:
doce "afolhagem"!

O outono aquece esta tarde,
iluminando de ouro 
o verde pálido, o amarelo,
no alto dos imensos carvalhos.

E nesta paz, neste silêncio,
apenas sobressaltados
por algumas bolotas sonoras,
descanso o meu ser em mim.

Outubro 2017          Hugo Ferreira Pires




domingo, 1 de outubro de 2017

Sonho de Ti

Esta noite o meu amor posou no teu ventre,
A minha paixão voou ardente
Fundindo-se no teu olhar.
O meu coração desejoso de te amar
Navegou no teu peito,
Fugindo da solidão onde viajo desfeito.

Esta noite de mim fugi
Enlaçado nas asas do desejo de ti;
Envolveu-me teu suspiro de Cinderela
Soprando em meu corpo de caravela.
Náufrago sou eu, assim deixado,
Neste mar frio e desolado.

Esta noite sonhei com o teu regaço,
Sob o olhar distante e lasso
Dessa lua nova sem claridade…
Duas lágrimas de saudade
Desceram em meu olhar:
Duas luas cheias querendo-te abraçar!

Outubro 2017          Hugo Ferreira Pires