quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Carvalhal

[A prosa]

Nesta tarde de outono estival, longe da minha terra, longe do meu país, no centro de um carvalhal, escuto a música do meu passado a cada leve sopro de vento. As bolotas despedem-se do alto das suas mães trespassando a brisa outonal, deixando-se abraçar pelo manto de folhas, também elas desprendidas das mesmas mães. Sobre este chão irmanado pisam os pés dos transeuntes: crianças vindas da escola trazidas pelo brilho dos seus olhos, mães empurrando os carrinhos de bebé agarrando-os ao seu amor, avós degustando um jogging de saudade, casais soprados de futuro linguajando o seu amor, alguns solitários levados pela brisa dos seus pensamentos...

Fecho os olhos; levanto o meu olhar daqui e pouso-o bem no centro do Adro onde cresci e onde sempre viverei: lá estão os dois enormes e seculares carvalhos abraçando-me o coração com os braços e o Amor da gente da minha terra. As crianças riem e brincam, tal como eu já fiz, os jovens correm e divertem-se, tal como eu já fiz, os jovens adultos falam do mundo e de si, tal como eu já fiz, e os adultos menos jovens filosofam sobre tudo, tal como eu espero fazer, porque a vida já passou por eles, trazendo-lhes de tudo um pouco...

E assim, entregando-me à contemplação das imagens e dos sons da minha terra, ergo as pálpebras e vejo-me no meio de um carvalhal de tempo, sob um carinhoso sol de outono envolto nas memórias que não são daqui, mas que sempre me acompanharão.

[O poema]

Das entrelaçadas braças,
tecendo as copas

dos imensos carvalhos,
despedem-se as bolotas
do verão apenas passado:

Anunciam sonoramente
a sua queda
se o negro alcatrão atingem,
ou camuflam 
a sua aterragem
num suave som,
sobre o manto de folhas secas:
doce "afolhagem"!

O outono aquece esta tarde,
iluminando de ouro 
o verde pálido, o amarelo,
no alto dos imensos carvalhos.

E nesta paz, neste silêncio,
apenas sobressaltados
por algumas bolotas sonoras,
descanso o meu ser em mim.

Outubro 2017          Hugo Ferreira Pires




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