sábado, 29 de abril de 2017

Negra Natureza

Cravaste as garras, corvo danado,
Num frágil melro desenfadado!
Dele arrancaste a vida
Para te servires de comida...

Grita, grita, sua mãe grita,
Que da vida do seu filho está aflita!
Chama, chama, pelo seu filho chama,
Simboliza este mundo sem chama.

Natureza cruel que a todos acenas,
Com sofrimentos atrozes condenas;
No teu equilíbrio aparente
Há dor e terror latente!

Não aguento este chilrear aflito,
Chilreia a morte como um apito,
Canto estridente sobre o corpo ainda quente!
Pobre canto incessante e impotente...

Melro trucidado nas garras desse corvo,
Muito longe te encontras do corpo,
Já não sofre a réstia de ti,
Sofre tua mãe que não sabe de ti.

Mãe melro chilreando resistente,
Bradando a dor e a falta do seu ente;
Presença magoada de quem tem ausente...
E assisto a tudo isto impotente!

Hoje não vejo beleza nem arte,
Apenas vejo a morte num negro estandarte!
Negra natureza que nos circundas de sofrimento
E nos cravas o corpo de choro e desolamento.

Pergunto a Deus qual a razão
De tamanha usurpação!
Não haverá outra solução
Que nos tire desta aflição?

Hoje não canto o Amor,
Lamento o sorimento e a dor
Desta natureza cruel que nos oprime...
Difícil assim é encontrar o sublime....

Abril, 2017          Hugo Ferreira Pires


domingo, 23 de abril de 2017

Futebol em Portugal

Rola a bola nos relvados
Manchada de maus olhados,
Remates de língua comprida
A cada jogada desferida.

Livres e penáltis saem impunes,

Fintam-se regras e bons costumes;
Simulam-se faltas com ardileza,
Engana-se a verdade com baixeza.

Pontapés do canto dos refúgios

Cruzam palavras e subterfúgios;
Cabeceia-se para fora o esférico
E lança-se o estado colérico.

No meio de tanto lodo

Entram golos fora de jogo,
Mas todos aplaudem contentes 
Sejam adeptos ou presidentes.

E o jogo segue lamacento

Bem além do prolongamento,
Atolados num campo lastimoso
Todos sopram seu apito raivoso.

Leões, Águias e Dragões,

Todos numa arena de ilusões,
Desferem ataques farpados

Repletos de ódios viciados.

Melhor fora que se unissem

E numa só voz proferissem:
Sejamos amigos na derrota e na vitória!
Façamos do futebol um desporto de glória!

Abril, 2017          Hugo Ferreira Pires












quinta-feira, 20 de abril de 2017

Distância de ti

Contemplo em mim um campo florido,
Amálgama de cores fugidas
Deste Amor de ti erguido,
Suspenso sobre pétalas tingidas.

A branda luz solar resplandece as cores:
Rosa, carmim, violeta, azul, magenta...
Esta Paixão é uma paleta de cores,
Explosão de pétalas, fulgurante e lenta.

E em redor... montanhas imponentes... distantes...
Seus apaziguados cimos de neve
Cantam-me melodias afagantes
Ecoando o grito que minha voz não conteve.

Mais acima... contrastante... o azul infinito...
Lugar onde minha alma se espraia de saudade,
Lugar onde meu clamor se derrama aflito,
Lugar onde te procura o Amor que me invade.

E o Sol... aquecendo a distância,
Dourando o infinito véu fecundo,
Transborda-me o coração de ânsia
De te ver e te abraçar a cada segundo.

Abril, 2017          Hugo Ferreira Pires





quinta-feira, 13 de abril de 2017

Mãe

Mãe, teu olhar por vezes distante e triste
Fala-me de um passado ainda em riste,
Pousado em lágrimas fluentes,
Cravado de flechas dolentes,
Onde a dor foi sempre vizinha,
Infância que não tiveste como a minha.
Mas Mãe... sinto os teus braços quentes!

Mãe, teu riso por vezes alegre e disparado
É voz de luta e de teatro apaixonado,
É voz acalorada de artes, lemas e poemas
Onde não entram dúvidas nem dilemas,
Mar de um São Pedro de Moel desbravado,
Grito de vitória num Ai exclamado!
E Mãe... vejo o teu sorriso acalentado!

Mãe, de ti recebi este invencível mar de sangue
Que mareia no meu corpo e me expande,
De ti recebi a força de ir mais além,
A força de ir em frente mesmo sem ninguém,
O querer ser, sem ânsia de parecer,
O querer viver, quando tudo parece morrrer.
E Mãe... sinto a tua esperança a arder!

Mãe, do teu espírito fiz também o meu
Como Sol rasgando nuvens no céu,
Do teu passado faço um novo presente,
Um presente para o teu passado dolente,
E das dores escritas no teu nome
Arrebato um futuro de renome
Onde teu coração ofusca a tristeza e a solidão.
E Mãe... sinto o calor da tua mão!

Abril, 2017          Hugo Ferreira Pires



quinta-feira, 6 de abril de 2017

Chão da Minha Infância

Morno chão da minha infância
dourado de ceifa e de fragrância;
chão de rubras videiras em cachos
brilhando ao sol como riachos.

Serra levante de aromas florais
sobrevoando seus vastos pinhais;
muros de pedra, musgo e jasmim
contendo o tempo fervilhando em mim.

Chão da minha infância longínqua
fértil de húmus e de água profícua,
chão de oliveiras cravadas na serra,
chão de pomares brotados da terra.

Do céu e da serra, gotas de saudade
regam este chão de prosperidade,
milheirais rompidos de verde e oiro,
solo arrebatado coberto de trigo loiro.  

Adro de música, festas e danças,
Adro de feiras, brados e andanças,
vinho em festa à mesa dos compadres,
beijos e abraços à porta das comadres.

Infância sublime de um Abril refeito,
vozes da liberdade galopando no peito,
doce reserva de livre pensamento,
mosto desengastado da luta e do sofrimento.

E da minha avó… o abraço afetuoso,
lugar de ternura e amor espantoso;
do meu avô as mãos cardidas,
par de espadas de trabalho garridas.  

Amor de mãe que não cede na luta,
Amor de pai que não desiste da labuta,
Amor da minha São tratando-me como um filho,
Amor da minha Fátima, no qual me maravilho,
Amor da minha Noémia que eu tenho como avó,
Amor deste chão que nunca me deixou só!

Março, 2017          Hugo Ferreira Pires