sexta-feira, 18 de agosto de 2017

À Noite na Cidade

A noite já caiu sobre a cidade. As luzes fixas dos candeeiros de rua iluminam os seus domínios em diferentes tonalidades, tentando imitar as estrelas já luzentes no alto do negro céu. As luzes e os sons trazidos pelos elétricos rasgam esta quietude de luzes mudas e fixas. Os elétricos parecem falar, ao mesmo tempo que parecem olhar para o fundo das ruas pardas de alcatrão, certamente adivinhando a curva e a contracurva que mecanicamente se sucedem. Talvez falem os elétricos... talvez repitam silenciosamente os pensamentos dos seus passageiros... Sim, parece-me ter ouvido chinês misturado com português... inglês entrecortado de malaio... e finalmente um cocktail de espanhol, russo e crioulo cabo-verdiano...

E os automóveis!? Reparo agora que eles parecem cantar, resmungar, esganiçar sons, berrar.... uma sinfonia estranha! E um deles parece mesmo meditar: óóóhhhuuummmmmm.... Sem dúvida, está certamente a meditar. É bem provável que, tal como os elétricos, também os automóveis reproduzam o estado de espírito dos seus ocupantes.

Entretanto, uma scooter atravessa apressadamente a passadeira julgando ter um par de pernas humanas, enquanto duas bicicletas decidem ser elétricos e passam no sinal verde do elétrico, embora seja vermelho para todos os outros veículos... Humanos passeiam a pé no seu ritmo tranquilo, que só a noite impõe.

E eu... eu divago nos pensamentos enovelados em sentimentos de solidão... Falta-me o abraço aconchegado, a carícia delicada, o beijo apaixonado (mesmo que furtivo), a mão dada a outra mão e o olhar cruzado do amor que ainda não existe... Estar só é um longo caminho de resistência, de descoberta, de tempo disponível para si mesmo… e um sofrimento também. É um sofrimento meio apagado que se alumia quando aparece alguém por quem o coração decidiu bater mais forte.

Tudo parece perfeito, tenho todo o tempo para mim, e no entanto, esse tempo sobra para sentir a dor da solidão e o gosto salgado do mar de amor ausente brotado dos olhos. O amargo na boca, o aperto vazio no estômago e a tensão no ventre assumem a solidão, enquanto a mente viaja sonhando, sozinha, entre as iluminações fixas dos candeeiros, fintando as movimentadas luzes dos elétricos e voando na direção das estrelas...

Agosto 2017          Hugo Ferreira Pires




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